O cromossomo Y tem sido alvo de intensas pesquisas recentes que revelam seu papel fundamental na longevidade masculina. Por décadas, cientistas buscaram explicar por que mulheres vivem, em média, mais que homens em todas as partes do mundo, independentemente da cultura ou condição socioeconômica. Novas descobertas apontam que a perda do cromossomo Y em células sanguíneas ao longo do envelhecimento pode ser um fator determinante para essa diferença na expectativa de vida entre os gêneros, além de estar associada a diversas doenças relacionadas à idade.
A ciência sempre nos apresentou várias teorias para explicar por que os homens vivem menos: maior propensão a comportamentos de risco, tabagismo mais prevalente, diferenças hormonais, ou até mesmo a proteção que o estrogênio ofereceria contra certas condições de saúde. Contudo, nenhuma dessas explicações conseguiu satisfatoriamente esclarecer a totalidade desse fenômeno universal. A perda do cromossomo Y em células sanguíneas de homens idosos surge agora como uma hipótese revolucionária que pode responder grande parte dessa questão.
A Perda do Cromossomo Y e suas Consequências para a Saúde Masculina
O cromossomo Y, apesar de ser um dos menores do genoma humano e conter poucos genes, desempenha funções muito além da determinação sexual e produção de espermatozoides. Estudos recentes demonstram que a perda desse cromossomo em células sanguíneas —fenômeno conhecido como LOY (Loss of Y) —está fortemente relacionada a um aumento significativo no risco de desenvolver câncer, doenças cardíacas e até mesmo Alzheimer.
Em uma pesquisa pioneira conduzida por Lars Forsberg e Jan Dumanski, da Universidade de Uppsala na Suécia, foi descoberto que homens idosos que apresentavam perda do cromossomo Y em uma fração significativa de suas células sanguíneas tinham uma expectativa de vida 5,5 anos menor comparados àqueles que mantinham o cromossomo Y intacto. Esse achado surpreendente abriu as portas para uma nova compreensão sobre o papel desse cromossomo na saúde masculina ao longo do envelhecimento.
Como Ocorre a Perda do Cromossomo Y nas Células
O corpo humano adulto contém aproximadamente 30 trilhões de células, e diariamente cerca de 300 bilhões dessas células são substituídas por novas. Cerca de 90% desses novos elementos são células sanguíneas derivadas de células-tronco hematopoiéticas da medula óssea, incluindo quase 100 bilhões de glóbulos brancos. É durante esse processo de substituição, quando as células se dividem, que ocorre a perda do cromossomo Y.
De acordo com Forsberg, esse fenômeno “é enormemente comum — não é como algum acidente estranho”, e ele suspeita que ocorra em todos os homens em alguma medida, mas o envelhecimento aumenta dramaticamente sua incidência. Um estudo de fevereiro com 25.000 homens entre 3 e 95 anos descobriu que, em geral, 11,5% apresentavam perda do cromossomo Y em pelo menos 5% de seus glóbulos brancos. No entanto, pouquíssimos participantes com menos de 50 anos mostraram níveis detectáveis, enquanto cerca de 6% dos homens entre 50 e 60 anos apresentavam o fenômeno e mais de 40% da população acima de 80 anos eram afetados.
Fatores de Risco para a Perda do Cromossomo Y
Além do envelhecimento natural, o segundo principal fator de risco conhecido para a perda do cromossomo Y é o tabagismo. Entretanto, pesquisas recentes também têm associado esse fenômeno à exposição à poluição do ar, herbicidas à base de glifosato e água contaminada com arsênico. Esses achados sugerem que fatores ambientais podem acelerar significativamente a perda desse importante cromossomo nas células sanguíneas masculinas.
Ainda não está totalmente claro se as células em divisão têm maior probabilidade de perder seu cromossomo Y em comparação com outros cromossomos. Dado que o Y é pequeno e possui muitos trechos repetitivos de DNA, pode ser mais fácil de ser perdido durante a divisão celular do que outros cromossomos maiores. Um ponto crítico, entretanto, é que uma célula masculina que perde seu cromossomo Y consegue sobreviver, enquanto a perda de qualquer outro cromossomo não sexual “é tão prejudicial que essa célula morrerá”, conforme explica Dumanski.
O Impacto da Perda do Cromossomo Y no Sistema Imunológico
Uma das hipóteses mais intrigantes sobre como a perda do cromossomo Y afeta a saúde é seu impacto direto no sistema imunológico. Em 2021, Forsberg, Dumanski e colegas descobriram que a perda do Y altera a expressão de muitos genes em células imunes humanas. Como resultado, “o sistema imunológico dos homens se torna mais frágil”, afirma Dumanski. Isso pode ter inúmeros efeitos subsequentes, particularmente considerando o papel cada vez mais reconhecido do sistema imunológico na manutenção da saúde geral — não apenas no combate a infecções.
A disfunção imunológica está implicada em diversas condições, principalmente câncer, doenças cardíacas e doença de Alzheimer — precisamente as condições que têm sido associadas à perda do cromossomo Y. Na verdade, um estudo descobriu que homens com perda do Y tinham quase sete vezes mais probabilidade de desenvolver Alzheimer do que homens sem essa perda, uma estatística alarmante que destaca a gravidade potencial desse fenômeno.
Estudos em Camundongos Comprovam a Relação Causal
Para determinar se a perda do cromossomo Y poderia estar diretamente causando problemas de saúde, Kenneth Walsh e sua equipe na Universidade da Virgínia recorreram a camundongos. Primeiro, eles modificaram geneticamente células-tronco hematopoiéticas de camundongos para que não tivessem cromossomos Y. Em seguida, pegaram alguns camundongos normais, eliminaram suas células hematopoiéticas e as substituíram pelas células sem o cromossomo Y. Esses animais, portanto, tinham células sanguíneas sem Y independentemente de todos os fatores que normalmente levariam à perda do Y.

À medida que esses camundongos envelheciam, desenvolviam disfunção cardíaca e declínio cognitivo e “basicamente morriam mais cedo”, segundo Walsh. Isso demonstrou que a perda do Y em células imunes pode causar diretamente problemas de saúde. Foi essa descoberta que inspirou Walsh e seus colegas a investigarem dados do UK Biobank, o estudo em larga escala e longo prazo sobre genética e saúde. Aqui, eles encontraram uma relação entre o percentual de células sanguíneas com perda do Y e a chance de morrer por doenças do sistema circulatório nos 11 anos seguintes.
Por exemplo, homens com 40% ou mais de glóbulos brancos sem o cromossomo Y experimentaram um risco 31% maior de morte por doenças cardiovasculares. Essas descobertas sugerem fortemente uma relação causal entre a perda do cromossomo Y e doenças relacionadas ao envelhecimento, especialmente condições cardiovasculares.
O Cromossomo Y e o Câncer: Uma Conexão Surpreendente
Mais recentemente, foi demonstrado que a perda do cromossomo Y também desempenha um papel importante no desenvolvimento e progressão do câncer. No Centro Médico Cedars-Sinai em Los Angeles, Dan Theodorescu estava estudando o câncer de bexiga — uma condição que afeta homens cerca de quatro vezes mais frequentemente que mulheres — e questionou se o cromossomo Y estaria contribuindo para as diferenças de gênero nessa doença.
Para investigar, ele e seus colegas criaram células cancerígenas de bexiga que tinham ou não cromossomos Y, e as injetaram em camundongos. Os resultados foram dramáticos: tumores sem o cromossomo Y cresceram duas vezes mais rápido do que aqueles com o cromossomo Y. Quando a equipe de Theodorescu consultou bancos de dados humanos, descobriu que entre 10% e 40% dos tumores de bexiga em homens não possuem o cromossomo Y, e quando isso ocorre, a morte acontece consideravelmente mais cedo do que em homens cujos cânceres retêm o cromossomo.
O Gene UTY: O Possível Culpado
Estudos conduzidos tanto por Walsh quanto por Theodorescu também apontam para um possível culpado por esses efeitos negativos: um gene no cromossomo Y chamado UTY. Este gene produz uma enzima envolvida na regulação de outros genes — principalmente aqueles expressos por células imunes — então sua perda provavelmente leva a mudanças generalizadas na expressão gênica, o que os pesquisadores suspeitam criar problemas de saúde.
O gene UTY parece desempenhar um papel crucial na regulação das células imunes, particularmente os linfócitos T, que são responsáveis por reconhecer e atacar células cancerígenas. Quando este gene é perdido junto com o cromossomo Y, as células tumorais podem produzir proteínas que esgotam os linfócitos T, permitindo que o câncer cresça mais agressivamente sem ser combatido pelo sistema imunológico.
Implicações Terapêuticas e Perspectivas Futuras
As descobertas relacionadas à perda do cromossomo Y têm implicações significativas para o tratamento de doenças relacionadas ao envelhecimento em homens. No caso de doenças cardíacas, por exemplo, os pesquisadores descobriram que os corações dos camundongos geneticamente modificados — e, de fato, seus pulmões e rins — acumulam um excesso de tecido cicatricial, ou fibrose, que provavelmente é impulsionado pela atividade de células imunes sem o cromossomo Y.
Quando a equipe administrou um medicamento antifibrótico aos camundongos, isso preveniu a doença cardíaca. Se esse efeito na fibrose for confirmado também em humanos, Walsh acredita que os médicos podem um dia ser capazes de usar cursos profiláticos de medicamentos antifibróticos para evitar doenças cardíacas naqueles com perda do cromossomo Y.
No contexto do câncer, as descobertas de Theodorescu sobre como a perda do cromossomo Y afeta a resposta imune contra tumores também têm importantes implicações terapêuticas. Os inibidores de checkpoint imunológico — medicamentos que revolucionaram o tratamento do câncer na última década — funcionam bloqueando o mecanismo de exaustão das células T, permitindo que elas ataquem melhor vários tipos diferentes de câncer.
A equipe de Theodorescu observou que, em camundongos, esses medicamentos funcionavam mais efetivamente contra tumores de bexiga sem cromossomo Y em comparação com aqueles que tinham o cromossomo. Novamente, os dados clínicos corresponderam: pessoas com câncer de bexiga com perda do Y respondem muito melhor aos inibidores de checkpoint do que aquelas cujo tumor de bexiga contém o cromossomo Y.
O Desaparecimento Evolutivo do Cromossomo Y: Mito ou Realidade?
Uma questão relacionada, mas distinta, é se os humanos, ao longo de escalas de tempo evolutivas, poderiam perder total e permanentemente o cromossomo Y. Desde que os cromossomos X e Y de mamíferos evoluíram pela primeira vez há cerca de 200 milhões de anos, o X permaneceu mais ou menos o mesmo, enquanto o Y perdeu 97% de seus genes originais. Na verdade, o cromossomo Y é o cromossomo humano que muda mais rapidamente.
Isso levou a preocupações de que ele esteja se enfraquecendo irreversivelmente e esteja destinado a ser permanentemente perdido. À primeira vista, isso pareceria ter implicações terríveis para a própria existência dos machos. Mas existem algumas espécies de mamíferos para as quais isso já aconteceu — e essas criaturas ainda existem nas formas masculina e feminina. Por exemplo, o rato espinhoso de Amami não possui o cromossomo Y, mas um gene localizado em outro lugar em seu genoma evoluiu para ser uma nova maneira de determinar o sexo.
A probabilidade de os humanos passarem por mudanças semelhantes parece baixa, segundo Kenneth Walsh da Universidade da Virgínia. Ele afirma que após um encolhimento inicialmente dramático, o cromossomo Y na maioria das espécies estabilizou em tamanho nos últimos 25 milhões de anos. E com este cromossomo potencialmente contendo genes que desempenham funções importantes em células imunes e possivelmente em outros lugares, seu futuro nessas espécies — incluindo humanos — parece garantido.
Estilo de Vida e Prevenção da Perda do Cromossomo Y
Uma questão fundamental — ainda sem resposta — é se mudanças no estilo de vida que promovem um envelhecimento mais saudável, como uma dieta melhor, sono aprimorado e evitar estresse excessivo e álcool, podem retardar a perda do cromossomo Y. Como o tabagismo e a exposição à poluição são fatores de risco conhecidos para esse fenômeno, evitar esses elementos nocivos pode ser um primeiro passo para proteger a integridade genômica.
A ciência ainda não estabeleceu claramente quais intervenções específicas poderiam ajudar a preservar o cromossomo Y nas células à medida que envelhecemos. No entanto, as evidências atuais sugerem que muitas das mesmas recomendações para um envelhecimento saudável em geral — como manter um peso adequado, praticar exercícios regularmente, seguir uma dieta balanceada rica em antioxidantes e evitar toxinas ambientais — podem potencialmente ajudar a retardar a perda desse importante cromossomo.
A mensagem geral dos estudos recentes é clara: “A perda do Y é ruim”, como coloca Theodorescu. Ainda não está completamente determinado quanto da diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres isso pode explicar, mas Dumanski estima que pode ser mais da metade. Com essas novas descobertas, nossa visão sobre a importância do há muito negligenciado cromossomo Y “está mudando dramaticamente”, diz Dumanski. “Estamos apenas arranhando a superfície” desse fascinante campo de pesquisa.
Perguntas Frequentes sobre o Cromossomo Y e Longevidade
O cromossomo Y é um dos dois cromossomos sexuais em mamíferos (o outro sendo o X). Nas pessoas com configuração cromossômica XY, o cromossomo Y contém o gene SRY que determina o desenvolvimento masculino. É um dos menores cromossomos humanos e contém relativamente poucos genes.
A perda do cromossomo Y (LOY) refere-se ao fenômeno em que células de pessoas nascidas com o cromossomo Y (tipicamente homens cisgênero) perdem esse cromossomo à medida que envelhecem. Isso ocorre principalmente em células sanguíneas e aumenta significativamente com a idade.
Pesquisadores suspeitam que todos os homens experimentam algum grau de perda do cromossomo Y, mas a extensão varia significativamente. Estudos mostram que a incidência aumenta dramaticamente com a idade: apenas 6% dos homens entre 50-60 anos apresentam níveis detectáveis de perda, enquanto mais de 40% dos homens acima de 80 anos são afetados.
A perda do cromossomo Y está associada a um maior risco de câncer (especialmente câncer de bexiga), doenças cardíacas, doença de Alzheimer e, em geral, a uma redução da expectativa de vida.
Ainda não existem métodos comprovados para prevenir especificamente a perda do cromossomo Y. No entanto, evitar fatores de risco conhecidos como tabagismo, exposição à poluição, herbicidas e água contaminada com arsênico pode ajudar. Pesquisas sobre como os hábitos de vida saudáveis podem influenciar esse fenômeno ainda estão em andamento.
Embora o cromossomo Y tenha perdido 97% de seus genes originais ao longo de 200 milhões de anos de evolução, especialistas como Kenneth Walsh sugerem que ele estabilizou em tamanho nos últimos 25 milhões de anos. Com descobertas recentes sobre suas funções importantes além da determinação sexual, seu futuro evolutivo nas espécies humanas parece estar garantido.
Interessantemente, tumores que perderam o cromossomo Y (como no câncer de bexiga) respondem melhor aos tratamentos com inibidores de checkpoint imunológico, um tipo moderno de imunoterapia contra o câncer. Isso sugere que, embora a perda do Y possa contribuir para o desenvolvimento do câncer, também pode criar vulnerabilidades que os tratamentos podem explorar.
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